terça-feira, 27 de agosto de 2013

Uma alma sujeita às tentações, e que quer operar a sua salvação, apega-se mais fortemente a Deus, e vive em maior vigilância.




CAPITULO XI

CONTINUAÇÃO DO CAPÍTULO PRECEDENTE.
UMA ALMA SUJEITA ÀS TENTAÇÕES, E QUE QUER OPERAR A SUA SALVAÇÃO, APEGA-SE MAIS FORTEMENTE A DEUS, E VIVE EM MAIOR VIGILÂNCIA.

O conhecimento da corrupção do coração dado pelas tentações a uma alma cristã, produz outro efeito, que, bem sustentado, a conduz à perfeição. Uma alma sujeita, às tentações, e que quer operar a sua salvação, apega-se mais fortemente a Deus; vive em maior vigilância sobre si mesma : dois meios bem próprios para lhe proporcionar grandes progressos na trilha da santidade.

Essa alma vê no seu coração uma multidão de inimigos: conhece toda a sua fraqueza, e posto que sinta em si bastante resolução para, com as graças ordinárias em ocasiões pouco urgentes e com relação a objetos pouco interessantes, resistir a alguns, está convencida, tanto pela depravação do seu coração, como por uma triste experiência e como pelos princípios  da Religião, de que, sem graças especiais, não terá bastante ânimo e força para resistir a ataques mais vivos. Que faz, pois, uma alma cristã, esclarecida por essas luzes, e espantada com um combate tão desigual? Procura um socorro poderoso, que possa sustentá-la: contra todos os seus inimigos, e sobretudo contra os mais temíveis. A Fé lhe ensina que só junto a Deus pode ela achar esse socorro para si tão necessário, e que efetivamente o achará se o implorar com ardor e perseverança. É, pois, a Ele que ela se dirige sem cessar, com confiança inteira.



Ao primeiro movimento que o inimigo faz para atacá-la (Sl 120), ela ergue os olhos para as montanhas santas, de onde lhe deve vir o socorro: solicita-o pelas suas preces; atrai-o pelos seus desejos: todos os afetos do seu coração falam, rogam para obtê-lo. Quanto mais esforço a tentação faz para arrastá-la, tanto mais ela se apega a Deus pelos seus sentimentos. É uma criança que, andando à beira dos precipícios, ou achando-se cercada de animais ferozes, agarra-se mais fortemente a seu pai (que é só quem pode garanti-la) à medida que as passagens são mais escorregadias e mais perigosas e à medida que ela está mais exposta a receber ferimentos mortais.

Sob a proteção do seu Deus, como o santo Rei profeta, ela não mais teme inimigos sempre "fracos contra uma fé viva que lhe desvenda bens eterno, contra uma esperança firme que lhe atrai as graças particulares que Deus prometeu à confiança. Não os conta mais, esses inimigos que ela considerava tão temíveis ; despreza-os, ou ataca-os com segurança ; e, nestas disposições, obtém de Deus a vitória. Esse beneficio muitas vezes concedido faz-lhe conhecer de maneira mais assinalada a bondade, a misericórdia de Deus, de Deus que tão especialmente se interessa pela sua felicidade ; e com isso o seu amor a Deus torna-se mais forte e mais ardente. As tentações, se as encararmos e as suportarmos segundo as máximas da Religião, apegam pois a alma mais fortemente a Deus pelas virtudes principais, pela Fé, pela Esperança, pela Caridade, das quais a obrigam a produzir atos mais frequentes.

Mas, por outro lado, a convicção da sua fraqueza obriga a alma a viver em maior vigilância sobre si mesma. O homem fraco é tímido, e o é na proporção da sua fraqueza. Essa timidez dá-lhe uma circunspecção singular para evitar tudo o que lhe possa atrair inimigos, ou despertar o ódio dos que ele já tem. É atento sobre todos os seus passos, sobre todas as suas palavras. Não ataca ninguém, porque não tem confiança de poder resistir. É este o procedimento que, com mais cuidado ainda, observa a alma cristã. Evita tudo o que possa despertar as tentações a que é sujeita, tudo o que possa proporcionar-lhe novas. Pelos oráculos do Espírito Santo, sabe que aquele que se expõe temerariamente ao combate merece perecer nele (Ecli 2, 27). No temor de experimentar toda a sua fraqueza se se tornar indigna do socorro do Céu pela sua presunção, está continuamente atenta sobre a sua mente e sobre o seu coração, com medo de que se insinue neste algum novo inimigo; ou de que os que nele estão escondidos, aproveitando-se da sua negligência, se apoderem dos seus sentimentos, lhe façam provar a doçura envenenada da paixão, e a arrastem ao precipício.

A vigilância parece-lhe tanto mais necessária quanto a tentação nem sempre age à força aberta. Toma desvios; engana por pretextos, seduz pela aparência do bem, para de mansinho conduzir a alma às armadilhas. As paixões nem sempre se mostram a descoberto, para se não deixarem reconhecer. Há umas que se insinuam insensivelmente, que se disfarçam, para se introduzirem no coração sem que a gente o desconfie. Uma alma pouco atenta dá-lhes tempo de se fortalecer, ou só fracas barreiras opõe à sedução. Pelo contrário, a alma que pelos combates que tem de sustentar conhece toda a consequência que há em sentir novas inclinações, ou em ter a menor complacência para com as antigas, está tão alerta, que vislumbra os menores movimentos que se operam no seu coração. Procura-lhes a causa, para remediá-los. Mal reconhece o inimigo, afasta-o, precata-se contra os seus ataques.

Assim, a vigilância que ela emprega é um baluarte seguro que a defende contra as tentações de fora e de dentro. Ela nunca é pegada desprevenida: a paixão acha-a sempre em estado de defesa.

Muitas vezes nós procedemos sem precaução em tempo de paz e durante a calma. Mas, em tempo de guerra e durante a tempestade, estamos muito atentos a tudo, se não queremos sucumbir e naufragar. A vigilância entretém a união com Deus: esta união confere docilidade às inspirações do Espírito Santo, e esta docilidade conduz à perfeição.



(Livro Tratado das Tentações – PADRE MICHEL da Companhia de Jesus)

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