sábado, 3 de agosto de 2013

A Subida do Calvário 3º parte - I. O ANTIGO SEMBLANTE



A partir daqui começa a publicação da terceira parte do livro ‘ A Subida do Calvário’ do padre Luís Perroy. De uma reflexão profunda sobre os pormenores da paixão de Jesus Cristo. A Primeira e a Segunda parte deste  mesmo livro já foi publicada neste blog.

TERCEIRA PARTE
O SEMBLANTE DO SENHOR

I – O ANTIGO SEMBLANTE


É nesse momento que os nossos olhos devem elevar-se até aquele vértice sangrento da Cruz, para aí contemplarem, num misto de pasmo, de assombro e de amor, o Semblante do Senhor.

“Vimo-lO, exclama dolorosa e antecipadamente o profeta Isaías. Non erat aspectus, não era de ver-se, pois era só horror, e pensávamos com aflição e com saudade no que fora outrora aquele Semblante... Et desideravimus eum (Is. 53).”

É coisa natural, quando se está em presença de um semblante amado, mas desfigurado, coberto da vergonha dos escarros, sulcado de sangue, é coisa natural pensar em como o vira a gente outrora.

Quantum mutatus ab illo (Eneida, Virgílio, I. II, v. 274.): não é este o grito que escapa então de todos os lábios? Como está mudado!... Faz-se então uma comparação entre aquilo que se vê e aquilo que se tinha visto. Reflexão dolorosa, mesclada de admiração, de tristeza profunda; e, através dos palores da morte, e em meio aos apagamentos e aos tons lívidos que aquela morte produz, remontamos – bem longe talvez – até à beleza antiga, até ao encanto penetrante dos olhos e do sorriso. Quantum mutatus ab illo: ó Deus, como está mudado! non est species ei negue decor. Hoje, nem encanto, nem beleza, nem esplendor: porém a palidez, o sangue e a morte.

Esta reconstituição do ente caro amesquinhado e desprezado é o amargo consolo daqueles que amaram.

Estavam lá, ao pé da Cruz, em grupo cerrado e lúgubre, os fiéis amigos, os que amam até ao desfalecimento, ao desprezo e à desonra aparente dAquele que conheceram: e todos, naquele grande silêncio, falavam, no fundo da alma, com as recordações comovidas daquele belo Semblante.

Maria, Sua Mãe, Madalena, a perdoada, João, o amigo do coração, Maria Cléofas e algumas outras, os fiéis até o fim. Durante aquelas três longas horas, em que fez quase noite, mal podem eles enxergar naquela escuridão o semblante lívido do Mestre. A cabeça está às vezes horrivelmente pendida para frente, esmagada pela odiosa coroa; os cabelos, empastados de sangue e suor, caem pesadamente sobre o peito; longas estrias vermelhas correm pelas faces cavadas, a boca entreaberta aparta os lábios adelgaçados, roxos, já ressecados; os olhos estão cheios de lágrimas, langrerunt oculi prae inopia (Sl. 87,12), e também cheios de sangue; sempre este sangue, há-o por toda parte, de toda parte escorre, em tanta cópia era preciso pelos nossos pecados.

Non erat aspectus. Não, não é mais uma face humana, e cada um dos espectadores pensa então em segredo no antigo e belo Semblante.

(A Subida do Calvário, pelo Pe. Luís Perroy, S.J.; Editora Vozes, III Edição, 1957. Continua com o post: Maria.)

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