sexta-feira, 26 de julho de 2013

Sobre as tentações que nos perturbam no exercício das virtudes.




CAPÍTULO VII

SOBRE AS TENTAÇÕES QUE NOS PERTURBAM NO EXERCÍCIO DAS VIRTUDES.
NÃO SE DEVE DEIXAR A BOA OBRA, A PRETEXTO DOS DEFEITOS OU DOS MAUS MOTIVOS QUE PODEM ENTREMEAR-SE NELA. CUMPRE RENUNCIAR A UNS E PRESERVAR NA OUTRA.

Todos esses princípios servirão para decidir e animar uma alma durante certas tentações que ela pode experimentar na prática do bem. O inimigo da salvação não ousaria propor a certas almas abandonarem o exercício das virtudes que levam à perfeição: mas põe por obra um artifício para detê-las, e para retê-las numa mediocridade que as faz cair na negligência. Todo o tempo que não é destinado aos exercícios de piedade, ele as deixa tranquilas; porém, mal elas se aplicam a esses santos exercícios, enche-lhes a imaginação de mil ideias que as atormentam.

Se há almas que pensam em levar uma vida mais perfeita, e se não as pode ele desviar disso nem pelo respeito humano, nem pela visão do constrangimento a que elas se obrigam e que ele aumenta aos olhos delas, inspira-lhes então uma secreta vaidade na prática dos seus deveres. Essa ideia segue-as em quase todas as suas ações. Parece-lhes que elas só agem para atrair a vã estima dos homens, ou por uma vã complacência para consigo mesmas.



Essas tentações afetam tão fortemente certas pessoas, que elas ficam fatigadas, desconcertadas com elas. Na ideia que as impressiona vivamente, de se constrangerem sem fruto e sem méritos por essa falta de pureza de intenção, elas preferem resistir a Deus; afastam-se dos exercícios de piedade; levam uma vida cheia de imperfeições e de faltas. Pelo temor do combate, omitem o bem que Deus lhes inspira. Assim, só evitam uma cilada caindo noutra.

Se a tentação sobrevém a ensejo das inutilidades a que a pessoa se entrega, ou mesmo das ocupações perigosas que não são do seu estado, não é duvidoso que ela deva renunciar a elas, para não se expor ao perigo; menos verdade não é, porém, que o temor da tentação não deve impedir uma alma de cumprir os seus deveres e de seguir o espírito de Deus. Por si mesma, a tentação não é um mal; mas é ·um mal o faltar aos próprios deveres, àquilo que Deus exige. Se a alma fiel se deixa guiar por essa aflição, e por esta razão abandona aos seus exercícios de piedade ou o bem que pode fazer pelos sacrifícios secretos, é infiel; priva-se dos socorros que a fariam progredir na perfeição; dá ao inimigo um meio seguro para a fazer abandonar sucessivamente tudo o que para ela é de obrigação. O inimigo fará uso desse império que  ganha sobre ela, desse temor que lhe inspira e que alimenta nela, para fazê-la negligenciar as práticas de Religião, os Sacramentos, e tudo o que pode nutrir a piedade. Uma alma neste estado, sem ânimo e sem força, uma alma que não ousa haurir na oração, na mortificação, os meios de se sustentar, essa alma resistirá aos assaltos que o inimigo poderá desfechar-lhe?

Não· deve ela, pois, temer essas espécies de tentações, visto não serem faltas, enquanto a vontade não as adotar, enquanto nelas não consentir. As que são mais seguidas, deve ela combatê-las pela confiança e pelo amor. As que só consistem em ideias passageiras, por mais frequentes que sejam, deve ela, sem se inquietar com elas, desprezá-las, deixá-las cair, propondo-se cumprir a vontade de Deus em todas as suas ações. Assim, sendo, essas ideias não entremearão nisso a menor imperfeição. Farão, mesmo, um bem: obrigarão essa alma a renovar mais, frequentemente, a pureza de intenção com que deve agir. Assim ela tirará o bem do mal: fará servir à sua santificação aquilo que era preparado para a sua perdição.



(Livro Tratado das Tentações – PADRE MICHEL da Companhia de Jesus).

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