sexta-feira, 21 de junho de 2013

Conselhos sobre vocação (para meninos de 12 a 18 anos) - Parte 4




CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
CAPITULO I - ORIGEM DA VOCAÇÃO

Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do Instituto Católico de Paris)
edição de 1937



Como Deus semeia as vocações

19. — Por acaso nunca vistes como procede o lavrador no tempo da sementeira? Depois de escolher o campo onde quer obter rica messe, vai jogando a semente à mão cheia pela terra revolvida. Sabe que muitos germens serão estéreis, que vários outros serão devorados pelas aves do céu ou pelas larvas ocultas debaixo do chão; sabe que de todas as plantas que hão de brotar da terra, muitas hão de secar antes do tempo da flor e do fruto. Mas sabe também que, graças a uma cultura atenta, bastantes sementes hão de germinar para assegurar uma boa colheita no tempo da messe.


Deus procede da mesma maneira. Para falar de modo humano, pode-se dizer que prodigaliza sem medida a graça das vocações; em grande número de almas, depõe, no momento da criação, o gérmen benéfico da vocação religiosa. Aqui a semente não poderá germinar, mais adiante há de ser devorada, em outro lugar há de secar ainda verde antes do tempo da seara apostólica. Deus conhece tudo isto, e precisamente porque conhece tudo isto, arroja as vocações às mãos cheias, de sorte que muitos gérmens caem em todas as escolas, em todos os colégios, pode-se dizer até em todas as famílias.

20. — É um ponto de honra para Deus velar pelo recrutamento de Seu exército. Ninguém pode alistar-se a não ser que Deus o chame; e Deus chama bastantes soldados para que as fileiras nunca tenham vagas. Por isso considerai o que está se passando: é debalde que os inimigos da Igreja acumulam obstáculos sobre obstáculos contra as vocações religiosas: as fileiras de nossas falanges católicas não rareiam. Imaginais que os formidáveis exércitos europeus teriam um recrutamento suficiente se recebessem apenas voluntários? Se não houvesse a polícia, quantos não corresponderiam ao chamado do Estado? Entretanto, o exército de Deus recruta, cada ano, milhares de jovens voluntários, sem que haja nenhum constrangimento, muito melhor ainda, apesar de todas as barreiras que se elevam para lhes estorvar o caminho.

É que Deus exerce uma espécie de fascinação sobre as almas que escolhe, a fascinação do devotamente. Não as constrange exteriormente: inclina-as suave e fortemente pelo interior. Tal inclinação, porém, não é irresistível a ponto de aniquilar a liberdade do homem: Deus atrai sem violentar. Por isso é que na prática muitos resistem aos atrativos da Sua misericórdia. Daí a profusão com a qual espalha as vocações.

Razões das vocações

21. — Por mais numerosas que sejam, as vocações não caem ao acaso. Nenhum ato divino é desprovido de sabedoria; toda a vocação, portanto, tem sua razão de ser. Embora seja difícil, para cada vocação em particular, discernir o motivo do apelo divino, pode-se afirmar entretanto que a escolha de Deus não se faz sem motivo.

Muitas vezes Deus tem por fim recompensar a fé e a dedicação de uma família cristã. Debaixo das vistas atentas de pais zelosos, quando os filhos crescem, quais flores mimosas num jardim cultivado com esmero, Deus gosta de colher, para ornamento do santuário, a flor mais delicada e mais perfumada.

Quando se estuda a história de uma vocação, encontra-se quase sempre uma alma de oração e de sacrifício para a qual esta vocação é uma digna recompensa. Ao lado do menino que vai chamar, Deus coloca, de ordinário, uma alma santa que reza, trabalha, faz penitência; tais atos de santidade são como que o alimento que sustenta o gérmen da vocação.

Na vida de S. Francisco de Sales, vê-se que a vocação dele foi o prêmio merecido desde muito pela eminente piedade da família. S. Agostinho foi concedido às orações prolongadas de S. Mônica, sua mãe. Quantas vezes depois da revolução francesa, não se reparou que as vocações eram numerosíssimas nas famílias que tiveram a coragem, durante os dias de perseguição, de dar asilo aos padres fiéis! Não se disse que São João Vianney, o santo vigário de Ars, foi dado à Igreja da França depois das orações e das bênçãos de S. Bento Labre, o peregrino mendigo, quando achou, na casa da família Vianney, tão suave e tão amável hospitalidade?

22. — Outras vezes, a escolha de Deus é motivada pelas necessidades da Igreja. A Igreja é a obra prima de Deus, mas está nas mãos dos homens; o valor humano dos que a povoam e a dirigem lhe dá brilho e aumenta o prestígio. Sem dúvida, muitas vezes Deus gosta de operar grandes prodígios, por meio de instrumentos ínfimos; muitas vezes também tem prazer em chamar as almas mais distintas, mais ilustradas, a fim de patentear a todo o mundo que a religião é tão sublime que seduz os espíritos mais poderosos e os corações mais generosos. Os espíritos poderosos vêm a ser os apologistas da Igreja; os corações generosos se tornam os denodados criadores de obras de caridade.

Foi esta razão que motivou a escolha de S. Paulo, espírito tão culto, coração tão ardente, que veio trazer o concurso de suas belas qualidades aos apóstolos de Jesus Cristo. Pela mesma razão, no quinto século, Deus suscitou aqueles homens especiais, tão instruídos nas ciências humanas, que a Igreja honra debaixo do glorioso nome de Padres: S. Basílio, S. Gregório Nazianzeno, S. João Crisóstomo, S. Jerônimo, S. Ambrósio, S. Agostinho, depois S. Leão Magno, S. Gregório Magno, etc... Ainda hoje a milícia sagrada recruta intrépidos soldados na mocidade mais culta; moços generosos, para os quais estavam abertas as carreiras mais brilhantes segundo o mundo, vêm trazer aos pés do Cristo Jesus os tesouros intelectuais e morais que os exornam.

Contudo, como a vocação não é devida a ninguém, ela permanece, da parte de Deus, um ato de pura benevolência. Deus vos chama porque vos ama. E tal amor não é o pagamento de uma dívida; é inteiramente gratuito. «Amo-vos, diz Ele na Santa Escritura, de um amor que começou na eternidade; é por misericórdia e bondade que vos chamei e atraí.»

Como se revela o apelo de Deus

23. — No momento em que Deus forma as almas, depõe nelas o gérmen de seu destino. Para cada berço, Deus exprime um apelo. Mas este gérmen, quando e como há de desenvolver-se de modo que a criança tenha consciência dele? Mas este apelo quando e como há de ser percebido, de modo que o menino saiba qual caminho deve seguir?

Toda a vocação tem sua história. As manifestações divinas são variadíssimas; assim como não há duas vidas que sejam semelhantes, do mesmo modo não há duas vocações que se repitam. Mas a história de uma alma, seja qual for, é sempre interessante.

Certos meninos experimentam aspirações religiosas desde a mais tenra idade; outros notam só muito tarde o atrativo da vocação. Alguns mesmo entram no sacerdócio ou na vida religiosa sem atrativo, embora com retas intenções, e vem a ser muito virtuosos, apesar da ausência de atrativo.

Os primeiros, educados nos joelhos de uma mãe cristã, aprenderam, desde criancinhas, a colocar a religião acima de tudo, a considerar a vida sacerdotal e religiosa como a mais nobre, a mais invejável das existências: não são capazes de precisar a época em que lhes apareceu sua inclinação; antes mesmo do uso da razão, já começavam a declarar que sua vida havia de ser consagrada a Deus. Na história da Igreja, deparamos grande número de almas santas que pronunciaram, desde a idade de sete anos, o voto de virgindade perpétua.

Com os segundos, em que a vocação é mais ou menos tardia, a educação, em geral, foi menos cristã; Deus não lhes apareceu tão cedo no caminho da vida. Quer por leviandade de espírito, quer por vivacidade de gênio, quer por ambição mundana, tinham em mira uma carreira brilhante, que lisonjeira a vaidade. Recolhiam-se muito pouco no interior de sua alma para ali ouvir a voz de Deus, levaram uma vida por demais mundana e pouco cristã para que o gérmen da vocação pudesse desenvolver-se logo. Mas um dia, numa hora de profundo recolhimento, debaixo da impressão de tédio e de vácuo que o mundo produz muitas vezes, em seguida a alguma forte prova talvez, escutaram enfim a Deus e ouviram a mesma palavra que determinou a vocação de Abraão: «Sai de tua terra e de tua família e vai para o país que eu te indicar.» Este país novo, Deus o dá a conhecer pelos meios mais variados.

24. — Eis, por exemplo, como nasce uma vocação sacerdotal. No menino, a primeira impressão é causada pelas belas cerimônias do culto sagrado. O altar, cercado de mil luzes brilhantes, onde o sacerdote, vestido com paramentos de ouro e de prata, desempenha os augustos mistérios, tem o poder de fascinar uma alma juvenil. Esta visão celeste continua a brilhar na sua imaginação; os cânticos litúrgicos permanecem gravados na sua memória e lhe voltam espontaneamente aos lábios. Na casa paterna, o menino arranja um santuariozinho, ergue um altarzinho e repete as cerimônias sagradas. Não considera isto como simples divertimento: tem um vago pressentimento que está se exercitando para o futuro. — À medida que vai crescendo, suas idéias se tornam mais precisas; debaixo do quadro encantador que lhe atraiu a atenção, o jovem distingue a Deus que o sacrifício do altar honra, o jovem distingue as almas a cujo serviço a vida sacerdotal é consagrada. Não é somente para gozar do culto que este menino deseja ser sacerdote; é para imolar a vida a Deus e aos homens que há de encetar resoluto o longo e austero preparo que leva ao sacerdócio.

25. — Quando a vocação vem depois dos doze ou quatorze anos, não é o atrativo das belas cerimônias que a faz desabrochar. Aos doze anos, um menino já sabe refletir; começa a entender a rara beleza moral dos que gastam a vida em favor dos outros; sente elevadas aspirações de virtude e de dedicação que nenhuma carreira do mundo pode satisfazer. Raciocina do modo seguinte: «Não me importo com a riqueza e as honras; os prazeres do mundo me dão asco; quero que minha vida sirva para alguma coisa e não se perca no vil egoísmo; portanto entregar-me-ei inteiro a Deus e ao serviço de Sua santa causa.» Estas reflexões sérias são muitas vezes provocadas por algum acontecimento grave: às vezes por uma leitura que deixou profunda impressão no espírito; outras vezes por alguma desgraça que abalou vivamente o coração; ou ainda por uma circunstância providencial que de repente abriu as vistas.

Francisco de Borja, duque de Gândia, era um dos primeiros gentis homens da corte de Espanha. Como a rainha, cujos encantos humanos fizeram as delícias da corte, viesse a falecer, Francisco foi encarregado de transportar ao longe seus restos mortais. No momento da sepultura abriu-se o féretro para que Borja contemplasse uma última vez aquele rosto augusto que arrebatara tantos olhares. Oh! espetáculo de horror! ficava apenas um montão abjeto de podridão. «Será para chegar a isto, disse Francisco, que somos escravos do mundo e dos bajuladores?» Debaixo do toque da graça que atuava nele, Francisco de Borja disse adeus ao mundo, renunciou à fortuna e às honras e foi consagrar sua grande alma ao serviço de Deus na companhia de Jesus.

Os grandes golpes da graça não determinam senão raras vocações. Sobretudo quando se trata da vocação de educador, de professor ou de professora, é por meio de suaves influências e progressos insensíveis que a graça leva pouco a pouco as almas para o lado da montanha santa.

26. — Tomemos um menino que frequenta, desde os seis anos, a escola dos Irmãos. Logo nos primeiros dias, o Irmão lhe aparece como um ser misterioso, superior aos outros homens, de certa maneira separado do resto da humanidade. Tudo se destaca, com efeito, neste religioso: o hábito, as funções, a vida retirada. A primeira impressão que a criança nota, é a da felicidade: o Irmão lhe parece feliz, honrado, digno de ser imitado. Porque, ele também, não poderia viver do mesmo modo?

Tal vista é inteiramente humana, sem dúvida; mas dura pouco, purifica-se e cede lugar a sentimentos mais nobres. Este Irmão, cuja sorte é tão suave, está com a fronte nimbada pela auréola da virtude; sobre as almas singelas, que o vício ainda não contaminou, esta irradiação da santidade exerce grande império. O menino pensa em si mesmo: «Esta vida santa, feita de piedade, de religião, de renúncia aos falsos prazeres do mundo, por que razão não seria também a minha vida?»

Com o tempo, os pensamentos tornam-se mais sérios ainda. O papel social do professor religioso se revela aos poucos. Há tanta glória para um homem de coração em dedicar a vida ao serviço dos outros! A sociedade sofre tão grande penúria de bons mestres que saibam ensinar a religião católica aos meninos! Tão bela vocação atrai, fascina, seduz: «Porque, diz o generoso moço, não daria eu também minha vida para tão grande causa? Durante os poucos anos que dura a existência humana, será possível que eu tenha alguma hesitação em sacrificar os gozos grosseiros que o mundo apresenta e preferir-lhes as puras alegrias que se originam na imolação e na dedicação?»

Tal trabalho interior não se faz, de ordinário, senão em pequeno número de almas privilegiadas, nas almas que Deus marcou do caráter da vocação, nas almas em que o gérmen divino brota debaixo do ardente sopro da graça. Numa escola ou um colégio, enquanto a maior parte das almas estão entregues a pensamentos vulgares ou a loucos desejos de ambição, encontram-se algumas almas tímidas, discretas, muitas vezes ignoradas de todos e ocultas debaixo de aparências insignificativas, em que a graça opera esta ação misteriosa e profunda que foi descrita nas linhas precedentes.

Além disto, este trabalho se faz aos poucos. No começo, os sentimentos estão confusos, as idéias estão envolvidas em nuvens quase que impenetráveis; é um pressentimento que Deus vai pedir alguma coisa; nada mais. Pouco tempo depois, o divino chamamento se torna mais preciso, a visão se esclarece. Uma palavra, uma boa leitura, uma comunhão bem feita, uma fervorosa oração, uma coisa insignificante chega muitas vezes para que a alma do menino venha a conhecer às claras o que Deus deseja.

27. — Em numerosos casos, não há nenhum atrativo sensível ou ele é tão fraco que merece pouca consideração e tem mínimo efeito; a determinação para a vocação é provocada por raciocínios, pensamentos mais ou menos como o seguinte: «Na vida religiosa, no sacerdócio, hei de salvar mais facilmente minha alma; amarei melhor a Deus; serei mais dedicado a Nossa Senhora; poderei obter a salvação de bastantes almas, que sem mim iriam dificilmente para o céu. Logo, quero ser sacerdote, quero abraçar a vida religiosa.»

Tal raciocínio é um caso do que se chama hoje reta intenção; antigamente era designado pela expressão de atrativo de razão, a fim de o distinguir do atrativo de sentimento ou atrativo sensível.

A este menino que a graça solicita, que se sente o coração norteado para a vida religiosa, de qualquer natureza que ela seja, quero dizer agora o que ele tem de fazer para conhecer e sustentar sua vocação.



Nenhum comentário:

Postar um comentário