domingo, 23 de junho de 2013

As tentações não são sinal do mau estado de uma alma em relação a Deus e a sua salvação.




CAPÍTULO II

AS TENTAÇÕES NÃO SÃO SINAL DO MAU
ESTADO DE UMA ALMA EM RELAÇÃO
A DEUS E A SUA SALVAÇÃO.

Ordinariamente, as tentações frequentes bem podem assinalar um coração sujeito a paixões e propenso ao mal, porém não assinalam um coração mau e afastado de Deus, quando essas inclinações são desaprovadas. Esse pendor para o mal, que nós trazemos ao nascer, pela desordem que o pecado de nosso primeiro pai pôs nas nossas inclinações, às vezes é fortalecido pela dependência em que a nossa alma está dos sentidos. Essa dependência torna-nos mais ou menos sujeitos às tentações, conforme seja mais forte ou menos forte a impressão dos sentidos; sendo tudo isso independente da nossa vontade, e não vindo do fundo do coração, não assinala nele um vicio particular. Ele não é a causa dessa disposição dos sentidos; pelo contrário, sofre com ela, e, quando a corrige pelo seu apego à virtude, por mais forte que seja a inclinação o coração nem por isso se torna mau.

Essa resistência às tentações assinala, antes, um coração cristão, e faz conhecer o apego que ele tem a seu Deus, e a proteção que Deus lhe concede; coisa que deve consolá-lo e enchê-lo de confiança. A determinação em que ele se acha de resistir à Inclinação que o arrasta, recebe-a ele da misericórdia divina, que o sustenta por uma graça tanto mais particular quanto mais exposto ele estiver ao mal e ao perigo de sucumbir.

É raciocinar mal o dizer: Se a minha mente e o meu coração estivessem em bom estado, se fossem bem de Deus, teria eu estas ideias, estes sentimentos, que ferem a caridade, que são oposto à fé, à submissão, à paciência, e que me metem horror a mim mesmo? Se essas ideias, se esses sentimentos dependessem de vós, se estivesse na vossa escolha tê-los ou não os ter, com razão julgaríeis estar muito afastada de Deus quando os experimentais. Mas tudo isso absolutamente não depende de vós. Essas ideias, esses sentimentos insinuam-se sutilmente, ou se abatem com impetuosidade sobre o vosso espirito e sobre o vosso coração, sem consultarem a vossa vontade; e, o que é ainda mais forte, perseveram na vossa alma a despeito da vossa vontade, que quereria desvencilhar-se deles, e que emprega toda sorte de meios para os afastar. Eles não são, pois, a expressão livre da vontade; não são da escolha desta: não podem, pois, decidir coisa alguma contra o bom estado da alma e contra o seu apego a Deus e à virtude.

O coração só se apega pelos seus sentimentos refletidos e deliberados. Pode, pois, um coração ser inteiramente de Deus, embora experimente indeliberadamente sentimentos contrários à virtude, desde que estes lhe desagradem em vista de Deus.

Digo mais: o desgosto que ele sente de se ver atacado por tais inimigos, o horror que tem destes, são uma prova bem decisiva de que ele está apegado ao dever e ao amor divino. Se ele amasse menos a Deus, se temesse ou se detestasse menos o pecado, não teria nem esse desgosto, nem essa perplexidade, nem esse horror; seguiria a sua inclinação, satisfaria os seus desejos. Não pode ele, pois, ter prova mais segura do seu amor a Deus do que a fidelidade que Deus lhe dá em combater essas más inclinações.

Os maiores santos foram postos a essa prova; S. Paulo não foi eximido dela: e eles amavam a Deus perfeitamente. O nosso divino Salvador quis submeter-se a ela para nossa instrução: e era o Santo dos Santos. O que Ele quis experimentar na sua humanidade santa não pode ser um mal, nem mesmo uma imperfeição: Ele era incapaz de um e de outra. Não podemos, pois, ser culpados quando experimentamos isso da mesma maneira que Ele, quando nos defendemos disso como Ele o fez, em proporção da nossa fraqueza.

(Tratado das Tentações, PADRE MICHEL da Companhia de Jesus)



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