sexta-feira, 31 de maio de 2013

Exercícios Espirituais para Crianças - Fim do homem (Primeira parte)




Fr. Manuel Sancho, 
Exercícios Espirituais para Crianças
1955

PARTE PRIMEIRA

A conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)



I. FIM DO HOMEM

1. Qual é o fim ou destino da criança. — 2. Deus é a nossa recompensa. — 3. Motivos para se resolver a servir a Deus: a) por ser Ele nosso Criador; b) porque nos conserva. — 4. Finalidade das criaturas.

1. — Coisa difícil, meus filhos, é apoderar-se alguém da vossa imaginação, como é difícil alguém apoderar-se de um cachorrinho revoltoso ou de uma enguia escorregadia. É tão sério o que vos quero dizer, e vós sois tão inquietos e buliçosos! Mas, se considerardes que é importantíssimo o que vos quero dizer, mais importante do que todos os brinquedos do mundo, mais importante do que...


Mas, já que falo de brinquedos, suponde um brinquedo, grande, um castelo que vai ser vosso. Tem pelo menos dois metros de altura por um de largura. Soberbo castelo! É de papelão forte e tem porta que abre e fecha, e canhõezinhos que parecem canhões de verdade, e até soldados de chumbo que, por molas engenhosas, sobem e descem pelos muros do castelo. Não é verdade que é muito bonito esse brinquedo, e não me estais muito atentos ouvindo como o descrevo?

Vós, meninas, que não sois belicosas como estes homenzinhos principiantes, desejais outro brinquedo: desejais, por exemplo, uma casa de papelão, grande como o castelo, com capacidade para meterdes a mão dentro dela e arrumardes dentro a cama das bonecas e as cadeirinhas de celuloide, e uma cadeira de balanço para quando a boneca quiser balançar-se, e um espanadorzinho pendurado a um prego, e pequenas peças de roupa. Que brinquedo precioso!

Se alguém dissesse a qualquer um de vós: “Olha, menino, tu vais ganhar o castelo, tu menina, vais ganhar a casinha, se por um mês seguido trabalhares e cumprires bem as tuas obrigações e estudares com cuidado as tuas lições”; estou certo de que responderíeis a essa pessoa: “Sim, senhor; com muito gosto. Estudarei, serei um bom menino, uma boa menina, e me esmerarei em cumprir tudo bem, contanto que ganhe o brinquedo”. E não duvido que, apesar da vossa volubilidade, cumpriríeis a promessa.

Pois bem, vou falar-vos de uma coisa mil vezes mais bela do que o brinquedo, de uma coisa que vos interessa grandemente, a única coisa verdadeiramente interessante da vida. Se estivestes atentos à descrição que vos fiz do brinquedo, quanto mais atentos devereis estar ao que vos vou dizer!

Quero falar-vos sobre o fim ou destino do homem, sobre o fim da criança, fim que será, não a posse de um brinquedo, porém a posse e gozo do próprio Deus no céu, mediante o cumprimento dos seus deveres neste mundo. E, assim como a criança promete trinta dias de comportamento exemplar para alcançar a posse do brinquedo, assim haveis de prometer ser bons toda a vossa vida, para alcançardes a posse da glória.

Qual é o fim do homem? Qual é o fim da criança? Eu já o disse, e di-lo também o catecismo: “Para que fim o homem foi criado?” pergunta o catecismo. E responde: “O homem foi criado para amar e servir a Deus nesta vida, e depois vê-lO e gozá-lO na outra”. Eis aí o vosso fim: “amar e servir a Deus nesta vida e depois vê-lO e gozá-lO no céu”. Não é o vosso fim brincar, nem tão pouco divertir-se, nem pensar nas Batuecas enquanto eu vos explico os vossos deveres, não; o vosso fim é servir a Deus, para gozá-lO depois no céu. O vosso fim é ir pontualmente à escola, porque Deus o manda; é obedecer a vossos pais, não brigar uns com os outros, não dizendo palavras más nem fazendo travessuras de maior monta... Enfim, não pecando, porque Deus o proíbe; vós, as meninas, cumprindo as vossas obrigações caseiras, e todos praticando os mandamentos de Nosso Senhor.

Suponde um menino que o pai manda a um mestre carpinteiro para aprender carpintaria. Eis já está ele na oficina. Qual é o fim dele ao entrar na carpintaria? Para que é que ali vai todos os dias? Para apren­der o ofício de carpinteiro. Mas vamos a ver o que o menino faz na sua oficina. Em vez de pegar a garlopa ou a plaina e aplainar tábuas, pega de um lápis e, na tábua mais limpa e alisada, pinta bonecos. Depois, quando se cansa de desenhar mostrengos, amontoa aparas, puxa-as para a rua, faz com elas uma fogueira e convida outros meninos para saltarem por cima dela. O mestre carpinteiro repreende-o, mas o aprendiz torna a fazer das suas. E assim todos os dias. Ao cabo de um ano, o pai quer saber o que seu filho aprendeu, mas, como o menino só fez bonecos, não entende coisa alguma de carpintaria. — “Para que foi que eu te trouxe para aqui?” — pergunta-lhe o pai, irritado. — Para aprender a ser carpinteiro. — E que tens aprendido? — Não se aborreça, papai. “Aprendi a pintar bonecos”. Ao ouvir esta néscia saída, o pai dá-lhe uma tunda   soberana e obriga-o a trabalhar até aprender o ofício.

Do mesmo modo, Deus Nosso Senhor pôs o menino neste mundo não para brincar, nem para brigar com seus iguais, nem para fazer outras malícias: Deus pôs o menino neste mundo para que ele O sirva e Lhe obedeça, como aquele pai pôs o filho na carpintaria para que ele servisse e obedecesse ao mestre carpinteiro; mas, se o menino, em vez de cumprir a vontade de Deus servin­do-O, dedica-se a seguir os seus caprichos, e passa a vida fazendo travessuras, desobedecendo, brigando, mentindo... no fim da vida Deus virá pedir-lhe contas e lhe dirá: “Menino perverso, em que foi que ocupaste o tempo que eu te dei?” — “Senhor, em brincar, em brigar com meus companheiros, em dizer palavrões, em me esconder para não ir à missa, em desobedecer aos meus superiores e em cometer outros pecados”. Então Deus lhe dará um castigo terrível, o castigo do inferno. Que mal terrível, meus filhos! E tudo por quê? Por não haver sabido alcançar o nosso fim último, que é servir a Deus neste mundo, para depois gozá-lO no outro.

Quero insistir neste ponto, porque é in­teressantíssimo, e receio que o esqueçais. Pa­ra gravá-lo bem na vossa memória, ouvi uma parábola.

Havia um menino cujo pai tinha uma horta e, na horta, algumas colmeias das quais saíam muitíssimas abelhas, que se espalhavam pela horta em busca do néctar das flores. O menino, que gostava muito de mel, estava um dia olhando uma abelha que, afanosa, trabalhava numa flor, introduzindo-lhe no cálice a sua trombina para sugar o néctar delicioso.

— Lindo inseto! — murmurou o menino.
— Deus te criou para fazeres mel e eu comê-lo.
— E tu, para que foi que Deus te criou? perguntou-lhe por trás dele seu pai, que se aproximara sem ser notado. O menino calou-se, pois não se lembrou disto que agora vos estou explicando. Deus te criou para Ele. Ouve-me bem, meu filho: Deus fez as abelhas para fazerem mel para ti, e fez a ti para que faças boas obras para Ele.

Ouvi-me bem, vós, meus filhos. Deus fez o mundo para vós e vós para Ele. Que fim nobre! Sois para Deus. Afanai-vos, pois, e trabalhai no cumprimento dos vossos deveres, que será fabricar na colmeia da Igreja mel de boas obras, dignas de serem apresentadas à mesa de Deus na glória eterna.




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