domingo, 3 de fevereiro de 2013

DOMINGO DA SEXAGÉSIMA.



A parábola do semeador e a palavra divina.

 
Exiit qui seminat seminare semen suum – “Saiu o que semeia a semear a sua semente” (Luc. 8, 5).

I. Refere São Lucas que, estando certo dia numerosa multidão de povo reunida ao redor de Jesus, este propôs a parábola do semeador, cuja semente caiu parte junto ao caminho, outra sobre pedregulho, outra entre espinhos, outra finalmente em terra boa. Perguntado depois pelos discípulos, o divino Redentor mesmo deu a seguinte interpretação: “A semente”, disse, “é a palavra de Deus. Os que estão à borda do caminho, são aqueles que a ouvem, mas depois vem o diabo e tira a palavra do coração deles, para que não se salvem crendo. Quanto aos que estão sobre pedra, são os que recebem com gosto a palavra, quando a ouviram; mas eles não têm raízes, porque até certo ponto crêem, e no tempo da tentação voltam atrás. A semente que caiu entre espinhos, estes são os que a ouviram, porém, indo por diante, ficam sufocados pelos cuidados, e pelas riquezas e deleites desta vida, e não dão fruto: Suffocantur, et non referunt fructum.”

Observa São Gregório que, sendo o Evangelho de hoje interpretado por Jesus mesmo, não precisa de outra explicação; mas é digno de nossa mais atenta consideração. – Considera, pois, aos pés de Jesus Cristo, se porventura se ache em ti algum dos três impedimentos notados na parábola, que te possa privar do fruto da palavra divina: Aliud cecidit secus viam – “Parte caiu junto ao caminho”. Tens porventura o espírito dissipado e qual caminho público aberto a todos os pensamentos?... Aliud cecidit supra petram – “Outra parte caiu sobre o pedregulho”. Estará por ventura o teu coração endurecido como uma pedra em conseqüência de algum vício ou tibieza habitual?... Aliud cecidit inter spinas – “Outra parte caiu entre espinhos”. Examina sobretudo se tens apego às riquezas, às dignidades e aos prazeres terrestres, que são como espinhos, que fazem perder o fruto da palavra de Deus, e muitas vezes são a causa de Deus não falar mais às almas, porque vê que suas palavras se perdem.

II. Continuando o Senhor a interpretar a última parte da sua parábola, acrescenta: “A semente que caiu em boa terra, estes são os que, ouvindo a palavra com coração bom e perfeito, a retém, e dão fruto pela paciência.” Nota aqui estas últimas palavras: Fructum offerunt in patientia – “Eles dão fruto pela paciência”. Elas significam que não nos devemos deixar enganar pelo demônio, com a pretensão de fazer tudo ao mesmo tempo, porquanto, como avisava São Filipe Neri: A obra da santificação não é obra de um só dia. Numa palavra, para não nos apartar da parábola, quem quiser colher frutos maduros, deve, como o lavrador, esperar pacientemente o tempo da colheita.

Ó meu amabilíssimo Jesus, estou envergonhado de comparecer à vossa presença, vendo que a semente da vossa palavra, semeada tão freqüentemente e abundantemente em meu coração, até agora, por minha culpa produziu tão pouco fruto. Consolo-me, porém, porque sinto que apesar das minhas negligências, ainda continuais a me falar. Loquere, Domine, quia audit servus tuus (1) – “Fala, Senhor, porque o seu servo escuta”. Eis-me aqui, ó Senhor, não quero mais resistir quando me chamais; dizei-me o que desejais; estou pronto a obedecer-Vos: quero deixar tudo para ser todo vosso. É por demais que me obrigastes a amar-Vos! Se porém desejais que Vos seja fiel, transformai o meu coração, e fazei que de hoje em diante seja uma terra boa, na qual a vossa divina palavra possa deitar raízes, crescer e dar frutos de vida eterna.

Rogo-Vos também, ó meu Deus, “já que vedes que de nenhuma sorte confio em minhas obras: rogo-Vos que contra todas as adversidades sejamos munidos com a proteção do Doutor das gentes.” (2) + Doce Coração de Maria, sêde a minha salvação.

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1. Reg. 3, 9.
2. Or. Dom. curr.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 262 - 264.)

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