terça-feira, 3 de julho de 2012

A bem-aventurança do homem consiste nas riquezas?

Lázaro e o homem rico

Parece que a bem-aventurança do homem consiste nas riquezas:

1. Com efeito, sendo a bem-aventurança o último fim do homem, ela consiste naquilo que ao máximo domina o afeto humano. Ora, no livro do Eclesiastes se diz: “Tudo obedece ao dinheiro” (10, 19). Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.

2. Além disso, segundo Boécio: “A bem-aventurança é o estado perfeito da junção de todos os bens”. Ora, parece que pelo dinheiro poderão se adquirir todas as coisas, porque o Filósofo, no livro V da Ética, afirma que o dinheiro se inventou para ser a fiança de tudo aquilo que o homem quisesse possuir. Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.

3. Ademais, como o desejo do sumo bem jamais acaba, parece ser infinito. Ora, isso se encontra ao máximo nas riquezas, porque diz o Eclesiastes que “o avaro jamais se satisfaz com as riquezas” (5, 9). Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, consiste o bem do homem mais em conservar a bem-aventurança do que em perdê-la. Ademais, Boécio diz: “Mais brilham as riquezas quando são distribuídas do que quando conservadas. Por isso, a avareza torna os homens odiosos, a generosidade os torna ilustres”.
É impossível que a bem-aventurança do homem consista nas riquezas. Conforme o Filósofo diz no livro I da Política, há duas espécies de riquezas, as naturais e as artificiais. As riquezas naturais são aquelas pelas quais o homem é ajudado a compensar as deficiências naturais, como sejam, a comida, a bebida, as vestes, os veículos, a habitação, etc. As riquezas artificiais são aquelas que por si mesmas não auxiliam a natureza, como o dinheiro, mas a arte humana os inventou para facilitar as trocas, para que fossem como medidas das coisas venais.

É evidente que a bem-aventurança do homem não pode estar nas riquezas naturais. Buscam-se essas riquezas em vista de outra coisa, para sustentarem a natureza humana. Por isso, não podem ser o último fim do homem, porque não se ordenam ao homem como fim. Donde, na ordem natural, todas elas estão abaixo do homem, e são feitas em vista dele, conforme o Salmo 8: “Submetestes todas as coisas a seus pés” (v.8).
Não se buscam as riquezas artificiais senão por causa das naturais, pois não se buscariam, se não fosse porque por elas é comprado o que é necessário para o uso da vida. Por isso, têm muito menos razão de último fim. Logo, é impossível que a bem-aventurança, que é o último fim do homem, esteja nas riquezas.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Deve-se dizer que todas as coisas corporais obedecem ao dinheiro, devido à multidão dos estultos que só conhecem os bens corporais, que podem ser adquiridas por dinheiro. Mas o critério dos bens humanos não deve ser tomado dos estultos, mas dos sábios, como também o critério dos sabores, por aqueles que tem gosto apurado.

2. Pelo dinheiro pode-se ter todas as coisas venais, mas não as espirituais, que não podem ser vendidas. Donde dizer o livro dos Provérbios: “Que adianta aos estultos possuírem riquezas, não podendo comprar sabedoria?” (17, 16).

3. Deve-se dizer que o apetite das riquezas naturais não é infinito, porque são suficientes à natureza segundo alguma medida. No entanto, o apetite das riquezas artificiais é infinito, porque satisfaz à concupiscência desordenada, que é imutável, como esclarece o Filósofo no livro I da Política. Todavia, o desejo infinito das riquezas é diferente do desejo do sumo bem. Pois o sumo bem quanto mais perfeitamente é possuído, tanto mais é amado e desprezadas as outras coisas, porque quanto mais é possuído, mais é conhecido. Donde dizer o livro do Eclesiástico: “Os que me comem, tem ainda mais fome” (24, 29). Mas no apetite das riquezas e de quaisquer outros bens temporais, acontece o contrário. Possuídos esses bens, são logo desprezados e outros são desejados. Isto está significado nas palavras do Senhor: “Quem bebe desta água (que significa os bens temporais) tem ainda sede” (Jo 4, 13). E isso porque a insuficiência deles é mais conhecida quando possuídos. Assim sendo, isso manifesta a imperfeição deles e também que o sumo bem neles não consiste.

Suma Teológica I-II, q.2, a.1

Nenhum comentário:

Postar um comentário